“So God created mankind in his own image, in the image of God he created them; male and female he created them;”
Génesis – 1:27
Lembro a primeira vez que entrei na Capela Sistina; Estivera todo um dia ao Sol, esperando numa longa fila para entrar no Vaticano; pilhas de gente, montes de pessoas desfilando para dar resposta a um anseio – encontrar plenitude talvez, numa vida onde o conflito e o confronto são constantes que se tornam complexas de gerir em etapas de desgaste;
Lembro que – depois de deambular pelos labirintos e corredores plenos de arte, pinturas e milhentas variadas obras, cheguei ao pórtico de entrada da pequena capela; Montes de pessoas enchiam o espaço, zeladores uniformizados passeavam entre os turistas, visitantes e curiosos, procurando impor ordem onde reinava um certo caos; complicado sacralizar um local onde nem todos os que acorrem são crentes, partilham os mesmos ideais ou procuram as mesmas metas…
Olhando para a Criação de Adão, de Miguel Ângelo, precatei-me de que a obra era bem maior e multifacetada do que as imagens habitualmente reproduzidas;
Assim, não era apenas o dedo sinalizador, nem o braço que se estende… havia uma figura, abraçada por figuras femininas e infantis; e havia um manto, que protegia e envolvia a divina comitiva dentro de um aconchego estranho… no conjunto da obra, ficava algo a pairar que deixava nas entrelinhas algo mais;
Um dia – após o regresso, dei com uma imagem na internet que suscitou a minha atenção;
De facto – pessoas como Miguel Ângelo ou Leonardo daVinci eram polémicos (se não heréticos) no seu tempo, pelo costume de exumarem (ou comprarem) cadáveres de pessoas sem identidade definida e realizarem exames de “escalpelização” anatómica dos seus corpos;
Assim, havia uma certa coerência – e possibilidade pela positiva – com base em dados plausíveis, que motivou UMA MUDANÇA na minha visão desta obra;
De facto – poderíamos dizer que – no fundo – partindo deste cérebro humano, crivado de imagens infantis, juvenis, de femininos e de um certo masculino que se afirma como índice – ou definidor – surge a imagem de um ADAM (forma, matéria, barro típico da palestina em Hebraico) que é humanidade conjunta – masculino, feminino, criança…
Esta nova ideia, mudou o meu conceito da imagem, da pintura e do ENQUADRAMENTO que o artista poderia ter querido outorgar à sua obra;
Poderíamos também equacionar a possibilidade de que seja ADAM quem – na sua mente – recria a imagem do divino nas suas múltiplas facetas: logo sendo ADAM (humanidade) o re-criador da sua visão sobre o mundo e as coisas, estando as definições da divindade encerrada no crâneo de Adam – assim representado; Adam aponta para a sua fronte, e dela sai o Divino, as suas naturezas e a pluralidade da realidade multifacetada…
Assim sendo – passei a ver o Renascimento exactamente assim – como um “RENASCER” – para a visão do mundo, das coisas, da essência da realidade;
Daqui a ver uma das obras mais (re)-conhecidas de Leonardo – o Homem de vitrúvio (assim chamada em homenagem ao matemático Romano que é conhecido por utilizar a divina proporção – PHI – nas suas obras de ARQUITECTURA) só poderia apontar, entre o círculo e o quadrado – para uma visão que não fosse APENAS ANDROCÊNTRICA;
Seria pura demagogia afirmar que o mundo é obra do homem, quando o homem surge do masculino e do feminino por igual;
Seria arrogante, se não mesmo deslocado, o pensar que o mundo gira à volta de uma consciência puramente masculina – quando a própria vida – é fruto da conjunção equânime entre o masculino e o feminino;
A criatividade, a VIDA (ou a EVA – Zoe em Grego), a mudança, complementa, suporta e nutre a FORMA, a matéria, o definido e constante… só assim se compreendem a natureza das coisas e a própria vida humana;
Assim sendo – seria descabido pensar numa humanidade apenas de vida, mudança, criatividade… sem uma estrutura que a fundamente, reforce e equilibre;
No fundo – seria como uma semente sem casca, como um ser humano de bela face e contornos suaves, tecidos vibrantes de vida… e sem estrutura;
A HUMANIDADE vista através de VITRÚVIO é a HUMANIDADE da divina proporção, a HUMANIDADE dourada, a HUMANIDADE na que – mais ÓBVIO IMPOSSÍVEL – masculino e feminino concretizam a proporção dourada, ou humanidade através de VITRÚVIO;
Seria tão MEDONHO representar o homem de vitrúvio como a mulher de Gioconda; Seria tão desastroso (e impossível para a vida que vibra, cresce, se torna variada, se representa e afirma em cada instante e decai para dar origem a uma nova representação) como haver uma semente apenas com casca, ou uma semente apenas com sêmea…
Assim, surge esta visão – INTEGRADA;
Uma visão, uma perspectiva, que se pretende EQUÂNIME;
Para isto – teremos de CONTRAPÔR MITOS que promovem desiquilíbrios, atritos desnecessários, incoerências ÓBVIAS…
Tão ÓBVIAS como que – Homens e Mulheres – ao longo do tempo – habitaram fatos bem apertados na sua VIVÊNCIA DA HUMANIDADE que lhes cabe;
Fatos DISCRIMINATÓRIOS dos seus papéis e – mais ou menos bem – adaptados ao tempo e à realidade contextual que se vivia;
Tendo a oportunidade de ser filho único de filhos únicos, e não tendo sido colocado num INFANTÁRIO durante a minha infância – pude acompanhar DURANTE TODO O DIA a vida e gestão dos tempos (gestão chamada “doméstica” que a relação de casal lhe atribuíra); de certo que actividades como limpar as sanitas (ou mudar-me as fraldas – suponho que eu não deveria ser diferente de toda e qualquer criança) não eram agradáveis; outras – no entanto – poderiam ser interessantes;
Lembro do tempo engraçado que passávamos na padaria – bem detrás do jardim público de Valença; Tantas vezes escapulia os meu corpinho (as coisas agora parecem tão pequenas… na altura tudo era ENOOOORME!) para brincar na areia e nos baloiços que lá havia; a minha mãe conversava com as restantes senhoras que iam buscar o pão bem pela manhãzinha, pelo que eu tinha tempo para explorar e viver naquele meu pequeno-grande reino;
Sei que era algo difícil para mim ir até à Espanha – íamos a pé pela ponte velha, fazer compras (como a carne – que era imensamente mais barata) e tremia como varas verdes, depois de ter feito quilómetros a pé; pois passávamos na alfândega e a guarda fiscal passava-nos a pente fino (e mais de uma vez ficámos sem a carne, porque era “contrabando”)… tinha medo – mas, eram as coisas da vida…
Depois era chegar e ver as Novelas… eu não gostava lá muito mas…
A escrava Isaura, os Lírios do campo, Gabriela… conhecia-as todas… não havi amais nada para ver (A rua Sésamo – que na T.V Espanhola era “Barrio Sésamo” só dava ao fim da tarde….);
Depois havia tempo para ler (eu aprendi muito cedo, deram-me um livro e aprendi com a ANITA NO JARDIM ZOOLÓGICO – depois era ler uma e outra vez, até saber o livrinho de cor);
Entretanto a minha mãe bordava… tinha imensos bordados (às vezes até fazia trabalhos para fora - e pensar que agora há pessoas a fazer isto como terapia ocupacional e de tempos livres! como mudam as coisas...); eu aprendi a escrever muito cedo (ainda lembro o meu primeiro poema… para a “Dona Chuva”… foi num dia que chovia imenso… a minha mãe bordava à beira da porta (para poupar luz) e eu escrevia ao lado… pedindo à dona chuva para parar…
Mostrei o poema… foi a primeira (e se bem me lembro a única) vez que mereci um elogio… afinal gostavam de mim… suponho que ai descobri a minha vocação de escrita – mas isto são outras histórias);
O certo é que – o meu pai – era o eterno distante; gostava de vê-lo jogar futebol ao Domingo (ainda lembro os Jogos no Campos, um clube da zona de Cerveira… cada aventura ir até lá no mini da família!);
Sei que ele estava lá – pois em cada tostão que poupávamos ou gastávamos – sabia que ele estava lá; e sei que – desde as 8 da manhã às 20h ele estava lá… a dar a sua parte na gestão doméstica;
Há muitas coisas más nos papéis que nos são atribuídos… e, de certo, quando o meu pai e a minha mãe projectaram um caminho a dois, um COMPROMISSO de vida (e – eventualmente – a minha existência) tinham NOÇÃO dos papéis que cada um teria de representar, das exigências desses mesmos papéis e de que – tendo em conta o seu nível sócio-económico (sem família de suporte e baixa qualificação em termos laborais) uma doméstica e um serralheiro mecânico teriam de se esforçar para garantir que o projecto ia avante e o intuito se concretizava;
De certo que seria estranho a minha mãe se queixar da gestão doméstica – quando tinha consciência do compromisso assumido e das suas consequências; Não me lembro que ela quisesse trocar de papel com o meu pai (suponho que seria pelas rotinas fixas, no fundo a minha mãe sempre preferiu auto-gestão… nisso saio a ela);
Suponho que, no fundo – ele e ela estavam presentes (como todo e qualquer homem ou mulher responsável esteve) na vida das diversas sociedades que compuseram a história, as tradições e a cultura da que sou herdeiro
(e da que – mesmo com consciência das muitas melhorias a realizar – me orgulho, pelo papel de identidade que me fornece: como Português com sangue da minha querida Galiza; como homem numa cultura ocidental de filosofia e pensamento vincadamente cristão; como pessoa numa estrutura social que luta por manter a sua dignidade e autonomia dentro de um enquadramento onde as guerras de interesses, os lobbies económicos e as correntes de pensamento globalizante ameaçam com apagar até à sua completa ambiguidade)…
(e da que – mesmo com consciência das muitas melhorias a realizar – me orgulho, pelo papel de identidade que me fornece: como Português com sangue da minha querida Galiza; como homem numa cultura ocidental de filosofia e pensamento vincadamente cristão; como pessoa numa estrutura social que luta por manter a sua dignidade e autonomia dentro de um enquadramento onde as guerras de interesses, os lobbies económicos e as correntes de pensamento globalizante ameaçam com apagar até à sua completa ambiguidade)…
Assim sendo – seria estranho responsabilizar a minha mãe por este ou aquele comportamento característico do modelo de género que lhe coube representar durante o tempo no que esteve ao meu cuidado… como seria absurdo dizer que o papel de género que o meu pai desenvolveu – apesar de discriminatório (sei que o meu pai ganhou as hérnias discais que tem pelo trabalho que desenvolvia ainda que as dores de cabeça da minha mãe para me aturar posso atribuí-las única e exclusivamente à minha indómita vontade de explorar o mundo e conhecer de forma pessoal coisas como o rio, as muralhas de Valença, o campo de futebol do valenciano, os feirantes às quartas feiras… enfim – sou vocacionado para a aventura desde tenra idade e isso deve ser complicado de gerir…);
Assim sendo – discriminar é algo natural (eu discrimino-te na tua diferença – por isso me precatei que és “o outro”, que “existes” independentemente de mim);
Seria estranho dizer “oprimir”, dado que não me lembro de que a minha mãe se tivesse queixado das escolhas que realizou e – aliás – a história do romance entre o meu pai e a minha mãe é bem caricata e – só por sí – mereceria um livro; as escolhas ousadas que a minha mãe fez (como o longo romance – quase dez anos – que mantiveram, ou o momento de ousadia no que arriscou corresponder-se durante três anos com o meu pai que estava em ultramar – a minha mãe nunca teve muito jeito para escrever, suponho que por isso admira a minha escrita) determinaram o rumo das vidas que – agora em mim – se perpetuam nestas palavras que procuro escrever com a coerência que me exige o facto de ser senhor das minhas opções e plenamente responsável do rumo que dou à visão que orienta a minha vida;
Assim – nunca tendo visto uma corrente que prendesse a minha mãe à casa na que morou, à rotina na que escolher viver ou às tarefas que implicava o seu padrão de género – só posso partir do princípio que foi tão ou mais livre de escolher (o meu pai – pelo que me contam ambos – escolheu não fugir para França na altura do serviço militar pela pátria que agora me alimenta a mim e foi “burro” – aqui suponho que a minha mãe não o insulta, apenas aponta com picardia – para ter ficado na terra onde tinha raízes em vez de ir ganhar duas vezes mais a trabalhar no estaleiro de Vigo – Barreras – com o meu AVÔ materno – que morreu no mesmo ano no que eu nasci e do qual ostento com orgulho o nome próprio;
mas – pronto – foi “obrigado” a ir de férias para o mato (ele deve ter curtido bué – porque até tem uma fotografia de um macaquinho em cima do fusíl que o batalhão de caçadores lhes deu para que fossem à caça lá pela selva daquelas terras tão divertidas);
mas – pronto – foi “obrigado” a ir de férias para o mato (ele deve ter curtido bué – porque até tem uma fotografia de um macaquinho em cima do fusíl que o batalhão de caçadores lhes deu para que fossem à caça lá pela selva daquelas terras tão divertidas);
Quando voltou, a minha mãe diz que as coisas já nunca foram o mesmo (suponho que foi porque trouxe muito dinheiro – porque eles compraram o primeiro carro de entre o grupo de amigos do meu pai… depois devem ter ficado a pagar as prestações a vida toda – porque eu vi o mesmo "mini" desde então;
Mas – como tinham o tal compromisso que durava à mais de dez anos, (e eu sou o resultado desse compromisso – podes acreditar que é verdade: eu sei que – hoje, nos tempos que correm – estar dez anos a conhecer-se, passar por uma guerra de distância e – mesmo assim ser teimosos e casar é uma história para crianças mas… nem tu deves ser criança para entender isto que te digo e por tudo isto posso escrever para ti;
Quem pensa que Ultramar terminou no 74/75 não sabe quanta distância de dentro para fora separa alguns homens que regressaram num corpo e em parte ficaram presos no passado… e que a guerra se mantém naqueles que os amam e que dele são origem, continuidade e sangue… o sangue daqueles é o NOSSO;
por isso algumas coisas que possas ler, sobretudo em relação a justiças, igualdades, géneros, homens opressores e mulheres vitimizadas – me fazem uma certa espécie… porque parecem fruto de incompreensões, trangiversações e linhas paralelas a aquilo que o HUMANO procura – o tal sonho da felicidade: que nasceu SEM MARGEM PARA DÚVIDAS – do
AMBOS lutando antes, durante e depois – para manter esse abraço vivo; que são o eco de milhões, de biliões de outros abraços que ecoam história adentro… e que as histórias que se contam agora e que os engendros da mente de homens e mulheres deslocados pela dor, a ignorância ou mesmo a vontade iletrada não vão poder apagar NUNCA – por uma razão muito simples – são FRUTO dessa mesma RAZÃO;
por isso algumas coisas que possas ler, sobretudo em relação a justiças, igualdades, géneros, homens opressores e mulheres vitimizadas – me fazem uma certa espécie… porque parecem fruto de incompreensões, trangiversações e linhas paralelas a aquilo que o HUMANO procura – o tal sonho da felicidade: que nasceu SEM MARGEM PARA DÚVIDAS – do
-ABRAÇO ENTRE UM HOMEM E UMA MULHER –
AMBOS lutando antes, durante e depois – para manter esse abraço vivo; que são o eco de milhões, de biliões de outros abraços que ecoam história adentro… e que as histórias que se contam agora e que os engendros da mente de homens e mulheres deslocados pela dor, a ignorância ou mesmo a vontade iletrada não vão poder apagar NUNCA – por uma razão muito simples – são FRUTO dessa mesma RAZÃO;
Não me estendo mais – pensa por ti mesmo, avalia com propriedade, e sente se não haverá alguma contradição numa sociedade que se diz “emancipada” quando crianças sem mãe nem pai berram descabidamente contra os mesmos pais que – supostamente – os levaram no colo até que el@s aprenderam a caminhar por sí…
Informa-te, dialoga, contrapoe, divulga: contrapondo mitos plantamos sementes de
LIVERDADE;
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